segunda-feira, 14 de outubro de 2013

Toda a gente sabe que as mulheres não suam

A sério que há pessoas que vão correr maquilhadas? Mas há pessoas que chegaram a um ponto de tal abominação pelo seu corpo sem adornos que não podem sequer conceber deixar a pele respirar em momentos de alto esforço?

Deus nos livre de parecer seres humanos.

As pseudo-regras do "ser mulher" continuam a fascinar-me todos os dias.



Faz de conta que esta imagem é a Rosa Mota a fazer um facepalm.

S.

8 comentários:

  1. Hmm depende. Se se for para o ginasio depois do trabalho acredito que haja quem nao se de ao trabalho de levar desmaquilhante atras (eu por acaso levo toalhitas, caso contrario irei parecer um panda com o que suo). Agora maquilhar-se ANTES de ir para o ginasio ou correr parece-me muito idiota, e parafraseio-te: a serio?

    ResponderEliminar
  2. O que me feriu a vista neste caso foi um post sobre a necessidade de se ir maquilhada para uma corrida por causa da foto do cortar da meta. Não queria acreditar que no meio de toda a preparação, alegria e dedicação que é preciso para correr numa competição houvesse espaço para esta preocupação extra.

    ResponderEliminar
  3. Não conheço o caso específico que espoletou este post mas recordou-me uma polémica na primavera passada envolvendo uma mezzo-soprano britânica muito popular que foi muito criticada por uma colunista do Mirror ou do Daily Mail por ter corrido a maratona de Londres com make-up completa, brincos de diamante e uns óculos escuros modelo retro. A colunista acusava-a, entre outras coisas, de ser vaidosa, narcisista e vulgar (o que é completamente diferente do que a S. fez) mas, às tantas, a questão também se prendia com as pseudo-regras do “ser mulher”: ao fazer essas críticas, a colunista não estava também ela a reproduzir ideias feitas sobre como uma mulher se deve comportar numa determinada situação?

    ResponderEliminar
  4. Quando estava para escrever este post-tirada também me deparei com as notícias dessa polémica no Google. E foi quando vi que a minha posição estava tão semelhante à do Daily Mail que meti a mão na consciência e pensei se não estava a ser tão emissora de juízos e falsas moralidades quanto esse jornal de lixo (se bem que o Daily Mail tanto critica mulheres por usarem maquilhagem em maratonas como as envergonha na praça pública por não usarem. Nunca se pode ganhar, com eles).
    Usar maquilhagem numa maratona é uma escolha, claro que sim. Mas as pessoas não escolhem as coisas num vácuo e a mim interessa-me perceber porque é que uma mulher sentiria a necessidade de pintar a cara numa prova tão quase sobre-humana como uma maratona (mas mesmo em corridas mais pequenas), especialmente quando esse pintar de cara irá muito provavelmente provocar desconforto (suor e maquilhagem são duas coisas que não se dão muito bem). Preocupa-me que a pressão atual sobre as mulheres hoje em dia seja tanta para estarem sempre bonitas e sem mácula que nem numa prova de esforço, onde é normal o nosso corpo não estar no seu auge da perfeição estética, se sintam à vontade para estar de cara lavada. É como a questão de algumas mulheres confessarem não conseguir sair de casa sem alguma maquilhagem, ou de levarem maquilhagem para o hospital quando vão ter um filho.
    A resposta mais fácil a isto tudo é "é escolha delas, sentem-se melhor assim, não faz mal nenhum." Verdade. Mas acho que as escolhas podem-se discutir sem isso consistir num limitar da liberdade de escolha. Por isso a minha questão é, porque é que se sentem melhor assim, especialmente nestas alturas em que o estar bonita devia ser o que menos interessava? A imagem das suas caras sem adornos mete-lhes medo? Acho isto preocupante, mas muito mais uma questão de pressão social e consequente erosão da auto-confiança do que uma questão de vaidade e futilidade individuais, como acusa o Daily Mail.

    ResponderEliminar
  5. Olá S.,

    Tomo a liberdade de te tratar por tu porque julgo sermos de idades próximas. De qualquer forma, isso é irrelevante para o facto de escrever aqui e agora.

    Sou uma leitora assídua do teu blog, acompanho-o nos posts mais recentes e, por interesse na forma e no conteúdo, também já esgravatei nos mais antigos. E gostei. Mas, para além do gosto pessoal, fiquei com a noção clara de que as questões de género te são familiares. E este é o ponto central do meu comentário: a partilha de uma notícia relativamente recente sobre o tema.

    Aqui vai, em primeiro lugar, a carta de resposta de um professor de Harvard a uma candidata a um programa de Doutoramento. Vale a pena consultares: http://explore.noodle.org/post/53514889631/on-june-21-1961-phyllis-richman-received-this

    Em segundo lugar, envio-te o link com a resposta tardia, mas certeira, da candidata:
    http://www.washingtonpost.com/opinions/answering-harvards-question-about-my-personal-life-52-years-later/2013/06/06/89c97e2e-c259-11e2-914f-a7aba60512a7_story.html

    Enjoy!

    E parabéns pelo teu interessante percurso. Confesso que me identifiquei com alguns dos teus desesperos partilhados e que invejei (saudavelmente!!!!) a tua determinação para os ultrapassar.

    T.

    ResponderEliminar
  6. T., obrigada pelo comentário e pelas sugestões interessantíssimas. A carta tem que ser vista à luz do que era a sociedade americana na década de 60 mas o que eu acho mais interessante e um bocado chocante é que pouco mudou. Continua a haver a expectativa, e acredito que muitas vezes tão óbvia quanto na carta do professor, que a mulher terá que começar um jogo de malabarismo e de cintura assim que chegarem os filhos e portanto a sua habilidade para o mesmo será importante para o patrão. Tanto que hoje se fala tanto do equilíbrio entre vida profissional e privada e quase sempre direcionados explicita ou implicitamente apenas às mulheres.
    A carta fez-me lembrar um requisito que vi em algumas candidaturas para doutoramento em universidades britânicas que pedia para os candidatos descreverem o tipo de atividades concurrentes que vão ter durante os anos do doutoramento e como pensam conciliar tudo. Fico agora a pensar se isto não será um requisito implicitamente dirigido às mulheres pois num doutoramento já é expectável que muitas delas tenham filhos.
    Mais uma vez obrigada pelos links e continuação de boas leituras ;)

    ResponderEliminar
  7. Não achei que o post fosse em algum sentido comparável ao artigo do Daily Mail (se assim fosse, em vez de abrir a caixa de comentários e perder tempo a comentar, fechava a página e nunca mais cá voltava). Trouxe o exemplo da mezzo soprano britânica para os comentários porque mostra que sim, a sério que há pessoas que vão correr maquilhadas. Por outro lado, acho que chama a atenção para a questão das escolhas e do factor contexto em que essas escolhas são feitas. Recordo-me que, pouco tempo depois, se comentou que ela corria regularmente num parque perto de casa e que o fazia de cara lavada (e, se não estou em erro, mais uma vez o Daily Mail tinha publicado fotos, dando continuidade há polémica). Podemos perguntar se, afinal, ela se sente realmente mal com a sua cara sem adornos ou se simplesmente gosta de alimentar uma determinada persona em actos públicos? Claro que, se for para alimentar uma persona, podemos perguntar as razões porque a persona escolhida é uma versão de si própria com maquilhagem e questionarmo-nos sobre pressões sociais que a levam a escolher essa persona em vez de mostrar uma versão sua mais ‘humana’. Mas e se ela escolher a sua persona pública não porque é uma versão melhorada da sua cara, que não gosta ao natural, mas porque é uma versão diferente construída especificamente para o público, mantendo a versão humana resguardada da vista de estranhos? (Ou seja, um pouco à semelhança de Pedro Abrunhosa ou do Bono, que imagino que não vão ao mercado fazer as compras da semana de óculos escuros num dia de chuva mas assim separam o artista do indivíduo.)
    Se calhar a tal mezzo soprano até é tão fútil, vaidosa e armada em diva como foi criticada no Daily Mail e estar bonita é a sua maior preocupação em tudo o que faz. Não faço ideia e estou apenas a especular sobre possíveis cenários. Não é minha intenção desvalorizar a questão da pressão social para ‘parecer bem’ a que as pessoas em geral, e as mulheres em particular, estão sujeitas. Apesar de nunca ter reparado em nenhuma mulher maquilhada numa corrida em que eu tenha participado, não duvido que haja mulheres que só correm numa passadeira em casa ou fechadas num ginásio porque não querem ser vistas suadas e/ou de cara lavada na rua. E também eu acho isso preocupante. Na verdade, até penso muitas vezes no assunto das pressões sociais e em como, mesmo tentando intelectualizar a questão, muitas das minhas escolhas são formatadas em maior ou menor grau. Por exemplo, não corro de maquilhagem (até porque não domino as técnicas para aplicar mais do que máscara de pestanas) mas tenho uns sapatos de salto alto, que não acho confortáveis e em cima dos quais não consigo dançar, para ir a casamentos mais formais: porque cedo a convenções e escolho o ‘parecer bem’ em vez do meu conforto e do meu divertimento quando a música começar? Não sei bem porque o faço mas sei que não é porque viva insatisfeita com a minha altura sem esses adornos nos pés e, de um ponto de vista estético, também não acho que os sapatos de salto alto sejam mais bonitos (provavelmente, usaria em mais ocasiões se assim fosse).
    No fundo, em vez de ter escrito um comentário tão grande, devia ter escrito apenas que não sei se, para tentar perceber porque é que uma mulher sente a necessidade de se maquilhar numa maratona, podemos partir para a questão com base numa premissa linear. Talvez seja até necessário dar um passo atrás e, em vez de perguntar porque é que sente a necessidade de parecer bonita numa determinada circunstância, teremos que perguntar em primeiro lugar o que realmente quer parecer nessa circunstância.

    ResponderEliminar
  8. Hmmm, apesar de não ter sido ela a espoletar este post, não tinha pensado na possibilidade de a maratonista poder querer apresentar a tal persona pública, que possa não ter que ver com padrões de beleza. E um grande obrigada pelo comentário interessantíssimo que me fez refletir. Isso que diz sobre os sapatos de salto alto e como para si são apenas uma convenção, não necessariamente mais bonitos que uns sapatos normais, fez-me lembrar que quando eu era mais novinha adorava visitar a Zara e maravilhar-me com as roupas de "executiva de sucesso" que abundam nas lojas e como eu esperava impacientemente que um dia quando eu também fosse uma "executiva de sucesso" compraria ali toda a minha roupa e sentir-me-ia fabulosa. É engraçado porque acho que não associava diretamente estas roupas com a beleza feminina propriamente dita mas sim com aquela figura altamente bem-sucedida e feliz que era a mulher profissional. Hoje em dia não sou uma "executiva de sucesso" mas já sou livre convencionalmente para usar as tais roupas e tenho cada vez menos paciência para coisas que me restringem movimentos. Idem com os sapatos altos, também sonhados na minha infância/adolescência como símbolos de "ser adulto" e que hoje tenho um ou dois pares que acabo sempre por nunca usar porque nunca encontro a situação que valha a pena o sacrifício. :D
    Ou seja, isto tudo para dizer que a Teresa apontou e bem que por vezes as pessoas poderão simplesmente querer vestir uma espécie de máscara, e ligam determinada maquilhagem/adereço/roupa a esse papel, como eu ligava a roupa da Zara à "executiva de sucesso".

    ResponderEliminar